Por causa de um drama familiar, Norberto Fischer se tornou um dos mais conhecidos defensores do uso medicinal da cannabis. Após testemunhar os efeitos terapêuticos do canabidiol (CBD) — um dos extratos da planta — sobre as crises convulsivas de Anny, sua filha mais nova, ele decidiu entrar na Justiça e conquistou em 2014, pela primeira vez no País, o direito de importar legalmente um medicamento derivado da maconha.
Hoje, ele representa a HempMeds, uma fabricante americana que exporta para o Brasil. Fischer conversou com o jornal O Globo sobre o tema.
1- Como foi a decisão de iniciar a terapia com o canabidiol?
A Anny nasceu com uma série de características fora do padrão. Com 40 dias, ela apresentou a primeira crise convulsiva, mas só quando ela tinha 4 anos conseguimos o diagnóstico: CDKL5. É uma doença parecida com a Síndrome de Rett, mas tem como característica as crises convulsivas. Nessa época, ela teve uma piora do quadro. De uma criança que andava e estava começando a falar, virou um vegetal na cama, que passava o dia inteiro babando. Na busca desesperada por algo que pudesse ajudar, eu e minha esposa, Katiele, soubemos do CBD. Fomos estudar e descobrimos que era derivado da maconha, o que nos causou um grande impacto. Além do preconceito que a gente tinha em relação à planta, era ilegal no Brasil. Mas no desespero de ver a Anny indo embora, resolvemos arriscar. Com nove semanas de uso, a Anny conseguiu ficar pela primeira vez na vida uma semana inteira sem ter convulsões. Então decidimos entrar na Justiça, o que gerou todo esse movimento que a gente vê hoje.
2- Como a Anny está hoje?
Esse é um ponto que a gente precisa avançar no Brasil. A Anny ficou um ano inteiro com zero crises convulsivas, mas por causa de uma interação medicamentosa, as crises voltaram. Depois dessa recaída, nós nunca mais conseguimos zerar. Hoje, ela tem qualidade de vida, as crises estão sob controle, mas ainda acontecem. Por isso, é importante que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) libere os estudos científicos com a maconha, para que as pesquisas avancem.
3- Como você avalia a situação atual da maconha medicinal?
Tem muito o que melhorar, mas já avançamos muito. São vários aspectos para se avaliar, sendo o primeiro deles o preconceito. Antes, a palavra maconha era muito mal vista, mas o preconceito já diminuiu muito. Aos poucos, as pessoas estão conhecendo, entendendo o potencial da planta para a medicina. No aspecto da importação, era impossível. A Anvisa teve que criar um protocolo para autorizar a importação, a Receita Federal também fez mudanças, inclusive com a redução de impostos. A primeira compra oficial do CBD, já autorizada pela Anvisa, demorou 40 dias para chegar no Brasil. Hoje, você consegue uma autorização em sete dias, mais sete dias para chegar na sua casa. A luta agora é pela autorização do plantio para pesquisas e a produção de medicamentos.
4- E em relação ao preço?
A primeira seringa importada, de dez gramas de CBD, custava US$ 500 há 4 anos. Hoje, essa mesma seringa sai por US$ 220 ou US$ 230. O preço está caindo muito rápido.
5- Caso o plantio no Brasil seja liberado, a tendência é que o preço baixe?
Certamente, as primeiras produções nacionais não serão mais baratas que as importadas, mas no médio prazo, o preço cai. A maioria das empresas que exportam para o Brasil têm suas produções no Canadá ou no Leste Europeu. Por isso, eu acredito que as empresas estejam de olho na produção em larga escala no Brasil, para trocar a produção em euro por uma em real.
6- Inclusive para exportação?
Justamente. Eu acredito que o Brasil vai ser o grande exportador de cannabis medicinal no futuro.
7- Podemos esperar a liberação da produção no próximo governo?
A informação é a chave. O próprio presidente eleito já deu uma entrevista dizendo ser favorável ao uso medicinal. O governo Bolsonaro terá um viés conservador, com bastante resistência quando se fala em liberação das drogas, mas em termos de regulamentação, o tema é mais bem aceito.